quarta-feira, junho 28, 2006
Comentário breve sobre...
Por que será que o amor que a gente lê no livro é sempre do mais complicado? Dos mais difíceis, do tipo que redefine as pessoas, que contrasta com a mediocridade presente na moral alheia?
É um prato e tanto pra fome de alma que sentem os grandes escritores. Diria mais, sendo um pouco jungiana com uma pitada de Durkheim : nos autos da sociedade está inscrito o padrão do amor, um mistura carregada do embate que acha-se interiorizado em cada ser humano, uma luta do eu, da vontade e do dever. Critica-se assim convenções morais , denuncia-se a dor de indivíduos diante da coerção sofrida quando são levados a negarem a si mesmo para seu "próprio bem".
Mapeia-se uma estrutura inconsciente do amor proibido, como sendo ícone do antagonismo entre sentimento x razão. O amor está intimamente ligado a sentimentos fortes como dor, paixão, ciúme, que culminam sempre em alguma consequência trágica para a ordem social considerada "racional".
Sim, uma mistura carregada, pesada; que todo indivíduo traz em si, refletindo o nível de contradições da sociedade e mostrando também, mesmo que de maneira utópica, uma vez que a grande maioria se emociona com histórias de amores proibidos, que somos ao mesmo tempo vítimas e vilões em nossa coletividade. Vítimas quando nos encontramos pressionados a deixar algo "ilícito"; vilões quando desaprovamos pessoas que ameaçam os padrões e bons costumes.
Histórias de amores proibidos como Romeu e Julieta, Tristão e Isolda, Otelo apontam para uma moral não tão racional assim e questionam o que seria o bem como valor, por isso são escritos sob uma ótica maniqueísta.
São questionamentos filosóficos de muitas gerações que encontram alegorias perfeitas na arte. Mesmo sendo lendas, são padrões muito reais no inconsciente coletivo, uma questão sem solução que em cada época assume uma nova roupagem seja política ou familiar. Podemos dizer que é algo tão forte e emblemático que de modo geral essas grandes histórias acabam em morte. São tragédias onde o lado mais forte sempre vence. O amor dificilmente é bem sucedido, principalmente porque não consegue deixar de ser proibido.
Talvez seja também por isso o amor seja tão cantado, tão lido sem nunca sair de moda, talvez ele seja uma faceta da nossa própria rebeldia e inconformismo, talvez seja também o grito de uma alma encarcerada que declara guerra ao exército de nãos de uma sociedade hipócrita.
Só talvez.
segunda-feira, junho 26, 2006
25/06/06
No vício desenfreado der ser
Calco meus pés dia a dia
Na tenda da sobremorte
Ou na vivenda dos amados do Senhor
Fui intimada a comparecer
Lobos e homens confundem meus olhos
Ao calcular tamanho risco
E sua origem
Perdi-me pelo caminho
E na audácia de livrar-me de mim mesma
Perco-me com meus botões
É que já fui condenada à prisão
Da qual sou chave
Repetindo toda noite:
Livra-me, livra-me !
Pôs-me um jugo na mocidade
Me fartarei da afronta
Até que Ele venha
Está escrito na parede dessa cela
Teus santos já o disseram
Quem seria eu para também pedir?
Mais uma vez ainda ouso dirigir-te a voz: Livra-me!
Debaixo de que sangue me encobrirei
Se tudo que toco é imundo? Ou torna-se.
Será muita ousadia pedir que Ele me retire dessa casa?
E não teria essas lâmpadas queimadas...
Nem mais que suportar esse cheiro abafado
Que acusam noite eterna
Seria um pássaro a voar para o sol
Rente ao mar
Não, não me leve a sério agora...
Só na medida em que me basta
Sofro crise de abstinência
Maior que essa não haveria
Quero livrar-me da droga que me tornei
Só que não posso!
Meu nome é minha algema
Minha vida, meu grilhão.
sábado, junho 24, 2006
Memorial
Da parte mais elevada do ser
Broto como planta
No mundo dessa terra que ninguém pisa
Cresço e sou arrancado
Obsessivamente
Como Palas da cabeça de Zeus
Sou a concretização ansiosa
de planejamentos homéricos
e frustrações de desejos igualmente homéricos
nasço, morro, e renasço e cresço
sempre mais forte
compulsivamente
dedos curiosos me procuram
sou fugídio como névoa
não passo de um fio
mas sou memorial da dor
quarta-feira, junho 21, 2006
Devota
Tens gestos caprichosos
Maestro dos olhos meus
Mais um casamento:
Meus olhos, teus gestos.
Mais que isso:
Um santo e sua devota
Se esquivando no contraste dos gêneros
Bem poderia ser eu a Santa
E tu, só tu devoto a me erguer preces.
Serias o mais abençoado dos anjos
Dos homens o mais divino
Seja meu céu, meu querido.
Se fosse mesmo uma Santa
Tu serias minha cruz
Minha espada, meu milagre.
Não desceria eu da mais alta nuvem só para bendizer-te
Aqui na terra?
Não pediria eu a Deus e a todos seus Arcanjos
Que me transformassem na dama terrena mais feliz
Em cumprir-te os desejos da carne, como quem o bem faz a humanidade?
Sim às tuas mãos
Não as quero mais juntas
Em oração
Porque para isso certamente não foram feitas
Toca-me com estas palmas largas
De mim brotariam flores e música
Descobririas assim toda tua vocação
Não para a santidade
Mas para a humanidade de santas
Como eu.
domingo, junho 18, 2006
Planeta Vermelho
Sou planeta
E sou vermelho
De atmosfera ardente
De gases ardentes,
Vapores rubros que emanam de um suspiro ainda ardente
São desventuras,
Sortes lançadas aos raios, Jupiter amigo!
Fera amansada nos clarões da imensa Urânia
Aquela que da espuma foi formada...
Louco aquele que ousa ultrapassar-me!!!
Louco, Atrevido, Corajoso
Seja o reflexo do que me segue
Adorno de murtas? deixo-os.
No escarlate há inigualável nobreza,
No amor pinto rosas brancas de sangue...
A loucura irmã me agracia com asas,
Vem e me aconselha:
Ao combate!
Sem o qual nao sou.
Lança-me um último olhar, peço-te
Daqueles siderais...
Num átimo vejo a eternidade
E me atiro fundo
Às armas senhoras e senhores
Da guerra,
Minha sina!
quinta-feira, junho 08, 2006
Freedom is mine.
É Proibido Proibir
Caetano Veloso
A mãe da virgem diz que não.
E o anúncio da televisão.
E estava escrito no portão.
E o maestro ergueu o dedo.
E além da porta há o porteiro, sim.
Eu digo não.
Eu digo não ao não.
Eu digo.
É proibido proibir.
É proibido proibir.
É proibido proibir.
É proibido proibir.
Me dê um beijo, meu amor
Eles estão nos esperando
Os automóveis ardem em chamas
Derrubar as prateleiras
As estantes, as estátuas
As vidraças, louças, livros, sim
Eu digo sim
Eu digo não ao não
Eu digo
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir.
* ainda não aprendi a dançar nesse baile de máscaras...
Sartre
bjo bjo
terça-feira, junho 06, 2006
;)
(...) Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio
um pouco ficou, um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.
Ficou um pouco de tudo
no pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco
de ruga na vossa testa,
retrato.
(...) E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção
e abafa
o insuportável mau cheiro da memória.
(Resíduo)
Carlos Drummond de Andrade
* Beeeeeijo