domingo, dezembro 31, 2006

Desejo de fim de ano


Se uma pomba branca eu fosse

De paz poderia o céu colorir

Escreveria de branco sobre o céu anil

Imprimindo, faceira, paz

Sobre a cidade

Olhos negros de cobiça a contemplar-me

Veriam-me plena

Decretar o basta das malfadadas peças que em outra vida armei

Sim em outra vida quis o sangue

Bebi do sangue e me fartei

Troquei peças de lugar, da moral fiz chacota subversiva de mesa de bar

Em plena sacristia como um negro malandro sambei

Em roda a gargalhar da infâmia em brasa

E dela me alimentei

Hoje canto e faço gracejo

Sorrindo do ódio que me sorri

Cuspindo no desprezo que me cospe

Revolvendo-me na lama com dignidade

E rogando a Deus que faça de mim anjo

Anjo de seu querer

Somente um anjo

Desprovido de prazer e de corpo

Provido de zelo e bondade

Anjo que não ame para que não peque

Que não deseje para que não seja tolo

Que não acredite e não seja bobo

Nem cavalo escravo

Para que não caia em armadilhas estonteantes de cílios finos

Anjo... Que não sinta

Apenas anjo que voe

Uma simples pomba branca no céu

A imprimir vazio e paz

Sobre os telhados ardentes de alguma cidade

sábado, dezembro 30, 2006

poesia descontínua



Asas negras do destino sobrevoam,

Rodeiam em prece a espera do último suspiro

Dessa idéia, essa exata que descrevo

Querendo devorá-la

Querendo desgastá-la

Até que se torne carniça exposta

Terror fétido no asfalto

Nas janelas abertas dos transeuntes

Assassinada pela seca

Caminhou rios de deserto de lucidez

E até sua homenagem póstuma

Não fora toda consumida

Faltou-lhe chão que a resgatasse

Das alturas de onde procede

Agora se vêem urubus...

Idéia para que se viva necessita chão

Necessita norte mesmo que este seja

Livre e opositor

Pois idéia é pasto para gado de evolução

É poste a gerar luz em quilometragem

E onde está a minha senão perdida

A espera de lápide e túmulo?

E quem sou eu senão solene funeral?

Espere,

Veja aquele carro

Viaja veloz e já mais uma vez atropela

Outro preá

Sétimo de sua família

O perfeito número pela morte ceifado

Desde que iniciamos nessa viagem

Nossa viagem que acabou, mas não chegou ao fim

Foi apenas um sonho que tive ontem que acaba de morrer

Na pressa do motor

Sem redentor,

Sem música

Sem dor

Sem lágrima

quinta-feira, dezembro 21, 2006

meu silêncio



Enquanto estou em silêncio

Minha cabeça festeja cem carnavais

A conquista de um dia de paz

Rodopia a ponto de não poder distinguir mais

Entre dois raios de luz...

Sem que um deles atinja meus olhos

Abro a porta para o vento

Sou quarto vago, abrigo ar no pensamento

Em silêncio sou sim quarto escuro

A espera da manhã

Aguardo calada

Assim serei sábia...

Ponto!

E reticência.

...

No silêncio meus olhos dizem

Mas nenhum ouvido escuta

E em nenhuma boca há pronúncia do meu nome

Haverá outros olhos capazes de lerem essas mudas páginas?

No silêncio eu finjo que sei quem sou

Meu silêncio é um calabouço doutrinário

No silêncio meu grito de socorro

Ecoa solitário pelas paredes de um abismo sem fim

Abismo pra dentro

Abismo de mim

Um infinito cair

Um poço sem fundo

Enquanto sorrio triste

E me entrego aos braços do mundo...