sexta-feira, janeiro 26, 2007

Pierrot sonhou como eu


***

...Em qualquer terra em que os homens amem.
Em qualquer tempo onde os homens sonhem.
Na vida.

***


Pierrot :

É tão doce sonhar!... A vida , nesta terra, vale apenas, talvez, pelo sonho que encerra. Ver vaga e espiritual, das cismas nos refolhos, toda uma vida arder na tristeza de uns olhos; não tocar a que se ama e deixar intangida aquela que resume a nossa própria vida, eis o amor, Arlequim. , misticismo tristonho, que transforma a mulher na incerteza de um sonho....



***




segunda-feira, janeiro 22, 2007

Shakespeare em dois tempos.





"De almas sinceras a união sincera
Nada há que impeça: amor não é amor
Se quando encontra obstáculos se altera,
Ou se vacila ao mínimo temor.
Amor é um marco eterno, dominante,
Que encara a tempestade com bravura;
É astro que norteia a vela errante,
Cujo valor se ignora, lá na altura.
Amor não teme o tempo, muito embora
Seu alfange não poupe a mocidade;
Amor não se transforma de hora em hora,
Antes se afirma para a eternidade.
Se isso é falso, e que é falso alguém provou,
Eu não sou poeta, e ninguém nunca amou"




...



"Quanto mais fecho os olhos melhor vejo;

o dia todo vi coisas vulgares
mas quando durmo em sonho te revejo
pondo no escuro luzes estelares,
tu, cuja sombra faz brilhar as sombras,
como podes formar das sombras luzes
no claro dia que de luz assombras
pois tanto brilho no negror produzes?
Como podem meus olhos abençoados
assim te ver brilhar em pleno dia
quando na noite escura deslumbrados
dentro de fundo sono eu já te via?
Meu dia é noite quando estás ausente
e à noite eu vejo o sol se estás presente"

segunda-feira, janeiro 15, 2007

Romaria para um coração


Eu vou enterrar meu coração

Com uma grande mão de pontudas garras

Sob o sol escaldante do sertão

Vou escavar o chão

E ali vou enterrar meu coração

Vou apertar devagarzinho mais uma vez meu amiguinho

Contra o peito numa leve despedida

Vou embalsamá-lo, limpar sua ferida

- posto que morreu de dor-

E sob o chão seco do sertão, vou enterrar meu coração

E ele fecundará a terra

E da união do seco com o triste

Brotará um rio

Vida e riso assim trará

De volta ao sertão sombrio e triste

As crianças ao verem isso sorrirão

Na correnteza abundante de minhas lágrimas

E a esperança vai nascer

No verde novo da mata

Meu coração e minha tristeza que eram pobres

da morte salvarão

Outros corações secos e tristes

E assim em meu martírio serei feliz

Mas não haveria onde depositar tal felicidade

Pois meu coração enterrado já estaria

Então novamente eu doaria minha alegria

Ao vento desta sorte...

E rogaria a Deus que a transformasse em chuva de paz

E em minha tormenta que me inundasse essa chuva

Que fecundasse meu peito de novo

E que dele por um milagre um coração me brotasse

Cheio de verde, de céu

Cheio de luar de sertão e de riso infantil

Que batesse em ritmo de música

E que tudo ao redor de mim fosse música, tambor e dança

E que a humanidade inteirinha unida

Celebrasse comigo a gargalhar

O renascimento do amor

sábado, janeiro 13, 2007

Lágrimas ocultas


Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era q'rida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...


E a minha triste boca dolorida
Que dantes tinha o rir das Primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!


E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...


E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!

Florbela Espanca




vai poesia. fala por mim e conta o que não sei dizer...

quinta-feira, janeiro 11, 2007

Viúva


Um velório
eis a cena
uma sala escura,
um final de tarde de uma quinta-feira
dura como a madeira de seus móveis
e um velório solitário
eis a viúva rugosa velando um cadáver
que ainda ousa cuspir as últimas faíscas do ódio que o matou
ei-la a embalar a morte com uma ansiedade
apenas vista e sentida no terror das horas noturnas
quando crê-se haver algum intrujão na casa austera da dor
ah, a angústia de quem sabe que passará o resto de suas horas a sete palmos
a ansiedade de quem morreu é coisa para se pensar
sim, as almas derrotadas, declinadas
penadas, eu diria, podem ser claustrofóbicas
quando soube dessa doença
recebi minha sentença
estou cá agora a velar meu próprio corpo
um cadáver embalado, solitário e...ansioso...

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Lispectoriando


Mas há a vida


Mas há a vida

que é para ser

intensamente vivida,

há o amor.

Que tem que ser vivido

até a última gota.
Sem nenhum medo.
Não mata.


Clarice Lispector

quarta-feira, janeiro 03, 2007

Dia neutro



quando o sol amanhece meio assim
a espreguicar seus raios por cima do muro
nasce em mim tambem a náusea
das femeas parideiras
um parto não de desejo
nem de espera,
a mesma dor
sem a chorosa recompensa de olhinhos cintilantes
e quem me olharia assim?
espaços vazios,nulos
a sombrear falsa caricatura
nao engravidam sonhos
e nao parem festas
somente
um típico evento astral
um baile de estrelas indecisas
uma semana de domingos neutros
e refeições frias
em ampolas de laboratorios de espera
felicidade sombria essa minha
aceito o destino sim
aceito o que sou
como quem pondera sobre a fatalidade
de um crime
enxergando vitima e culpado no mesmo espelho


* tava fuçando em meus arquivos e achei esse trocinho sem querer. Gostei...escrito em meados do mês de outubro de 2006, num dia chato de domingo...