terça-feira, junho 17, 2008

*

Algo entre a cor dos olhos e o balançar dos cabelos de alguma moça
eleva minha voz ao pensamento silente, contemplativo
fazendo de repente a cidade se transformar
em cores que se debruçam de flor em flor
perante a força silenciosa da luz solar.
Olhos estão para o encontro, assim como água está para a cascata;
assim como quem não repara os preparativos do destino,
vão-se as velhas negras a fiar na calçada uma vida em outra vida
pela tarde, tendo vento primaveril por estação...
Contemplo o sol, com templo o ser, com o tempo nada.
Vejo meninos brincando no parque
Vejo cores em cada olhar, vejo os sorrisos que se bastam em si mesmos
Vejo mães, vejo mulheres, vejo meninas, sendo elas mesmas num espetáculo à parte.
Compulsivamente vejo.
Assisto tal espetáculo, pintando as nuvens de pensamentos
nos devaneios que lhes são próprios...
E tem o céu:
o céu das quatro que anuncia qualquer coisa boa a quem passa
e o céu das cinco, sendo ele mesmo essa coisa boa que saúda a quem continua a passar
De ouro a nuvem de pensamentos múltiplos que cobre a cidade,
faz sorrir seus cidadãos,
fazendo até os prédios se envolverem na dança dos viventes.
E eu a tudo vejo, faço a solidão na janela entreaberta e
a distração dos transeuntes se sentirem observadas...
mea culpa, estou viva, tenho olhos, amo e estou viva
e estar vivo é sonhar e dar-se como sonho
como o homem que põe seu corpo a correr pela cidade
é ver o absurdo da diversidade das formas de todos os seres
quer sejam humanos ou não
é assistir aos jovens de espírito se debruçando com voracidade sobre o pão
enquanto os velhos de alma se preocupam com o preço do trigo
é ver a justiça sendo injusta
ou miseravelmente justa com alguns...
É se preocupar,
ver, sonhar, entender, saber, perceber, gostar, aprovar, edificar, amar
tudo isso faz parte da caminhada
pela cidade, pela tarde, pelo prazer a que os sentidos quantos sejam, são expostos
no êxtase e na vertigem de todos os dias.


* por do sol em alguma rua inquieta de Aracaju.

quarta-feira, junho 04, 2008

Às cinco


Eram cinco da tarde.
O chapéu negro da pausa e da espera
Ainda estava lá.
Havia esperado o dia todo na greta, encarando apenas o chapéu escuro
enquanto o turbilhão de segundos
Zuniam em meus ouvidos, contradizendo a espera da espera
O tempo não ia passar.
Arremessava o corpo contra a cadeira enquanto o gelo se derretia
Vagarosamente no copo
O calor só subia em mim, o gelo era indiferente ao meu estado
Tudo estava em seu devido lugar, até o maldito assoalho recém polido
Que fazia as vezes de espelho mostrando a face cinza da espera.
As paredes, a sala e o teto faziam coro com o chapéu preto: ele não está aqui.
Nem vai estar amanhã ás cinco.
Todas as imagens, todas as escolhas, todas as estimas
Passavam sucessivamente, repetidamente das minhas retinas
para as entranhas,
desaguavam em pensamentos mórbidos e escuros no porão da minha casa
sou um espírito fanfarrão, ao menos creio
mas há dias em que me torno sombra escura na penumbra da ausência...
Enquanto o relógio zomba do meu ânimo.
Eram cinco da tarde
No decorrer da preguiça do tempo
Eu gritava ansiosa aos ponteiros que por favor
Corressem...mas os ponteiros não ouvem,
Ponteiros apontam inevitavelmente pra algum lugar
E me apontavam o derradeiro suspiro de lástima, pra recomeçar no segundo restante,
às cinco da tarde.
Havia pensado em xingar
Em dizer-lhe algo irritante, com certeza diria
Ou talvez não
Mas aquele chapéu, sinal de que uma cabeça vazia vagava e sorria solta pelo espaço infinito de tempo
Que algum deus da tarde lhe concedera, em plenas cinco horas de sofrimento...
Limitei-me a continuar respirando
minhas unhas rasgavam meus pensamentos como seda
E o vazio dava seus tiros secos em minha solidão.
Sinal de que, ele jamais voltaria
Nem mesmo pelo chapéu...

terça-feira, junho 03, 2008

canto de uma pomba gira


Isso é tão gostoso que dói
Dor e prazer desbravam-se
Feito peixe e água
Angústia que nada no lago do afeto
Laguna dor
Toda dor rima com morte
Todo prazer rima com sorte
Sorte e morte na cartilha de um sentimento
Eu tenho azar no jogo
E não tenho amor nem sorte...
Eles dizem eu te amo
Depois do gozo
Depois da morte
Eu só bendigo o silêncio
E só escuto o tic tac do relógio
Para renascer em caixinha de souvenir
Alhures e desaparecer feito nuvem em dia de calor,
basta emitir som de promessa, sem pressa
Como o trago do cigarro que não fumei ontem.
E hoje sem a mínima dedicação
Levanto, tinjo meu cabelo
Dou glória a Deus
E esqueço.
A solidão desceu pela escada
Sujando as paredes de tédio
Mas eu pintei as unhas de vermelho pra celebrar
Não, não te amo mais
ontem te amei pra sempre
Hoje me dou o direito de negar
Não vou colocar o coração no aquário
Meu coração é estado livre de peixe livre nadando livre no horizonte infindo do medo
A iminência da cascata e do precipício não abalam minha chegada
Porque estou sempre partindo, indo e indo nunca vindo
Portanto eu não vou chegar aqui
E não vou ligar pra você
Eu já esqueci seu número
Eu não quero e não vou chegar...
Eu sou dama de vermelho carmim
Estou sempre partindo
Mentindo,
Fingindo...
Eu bebo conhaque azedo no fim da tarde
Estou sempre sozinha
Mas não dou bom dia à solidão.